Por Veja
Paulistano se vale de referências a RPGs e games e de características do transtorno do espectro autista para criar um bestiário de seres mitológicos.
Bem-vindo aos Sete Domínios, um mundo com mapa e tudo a que se tem direito, cheio de criaturas peculiares, como gigantescas minhocas-lunares, simos (uma mistura de símios com lagartos?), minitauros (pequenos minotauros às avessas) e bokkos (colônias que lembram pecinhas de Lego).
Um mundo com uma história milenar registrada pelo Bibliotecário, que reúne um catálogo de informações e ilustrações em seu Bestiário dos Sete Domínios, obra que, fora do território da imaginação, é da lavra do paulistano Piero Caramelli, de 29 anos, recém-publicada pela editora ÔZé – em coedição, registre-se, com a Editora da Grande Biblioteca.
Em seu terceiro livro, Piero apresenta aqueles universos à la Tolkien, com geografia, fauna, flora e mitologia próprias. E bebe de inspirações que vão de jogos de RPG a games e outras produções da franquia Bionicle, da Lego. Seu bestiário, com desenhos de seu punho, engloba fichas técnicas e causos desses domínios distantes, com seres que, de forma mais ou menos intensa, transcendem nossas concepções da realidade.
E tem um detalhe nos bastidores: o autor convive com autismo, mas se aproveita de uma das características típicas do quadro em alguns pacientes, o hiperfoco, para canalizar suas energias para criações minuciosas. No fim, ele se diverte, e nós também – não importa a idade.
Um exemplo materializado em livro de que, quando se dá rédea solta à imaginação e há um suporte adequado, uma condição de saúde não limita ou aprisiona ninguém. Pelo contrário: Piero faz da sua enciclopédia um voo livre alimentado por inventividade e dedicação.
E vem mais por aí. “Estou produzindo um livro que detalha a sociedade e a cultura do mundo do Bestiário”, adianta o autor.
Entre tantas referências a universos fantásticos e mitológicos, que obra, saga ou autor considera a maior influência em seu livro?
Para o Bestiário dos Sete Domínios, a maior inspiração talvez tenha sido a franquia da Lego chamada Bionicle, iniciada em 2001 e encerrada em 2009. Além dos brinquedos, que são a coisa central da franquia, ela também incluía quadrinhos, livros, jogos de computador, videogames e filmes.
A história do Bionicle é a de seis heróis biomecânicos que buscam libertar seu Deus, Mata-Nui, das maquinações de seu irmão malévolo, Makuta. Cada um desses heróis era associado a um dos elementos: fogo, água, rocha, terra, ar e gelo. Esse sistema de elementos foi o que despertou minha paixão por esse tipo de história. A saga Bionicle ainda tem muitos fãs e gerou várias fan-fictions.
De onde vem esse interesse pela criação de outros mundos, criaturas, artefatos e paisagens. O que eles te ajudam a expressar?
Eu gosto de contar histórias e desenhar personagens desde criança. Não consigo dizer exatamente o que despertou esse interesse em mim, mas eu sempre gostei de histórias “mistas”, que combinam aspectos de vários gêneros. Boa parte do meu tempo passo pensando nesse tipo de coisa: nos personagens e nas cenas das histórias.
De que forma o diagnóstico de autismo se relaciona com a sua produção literária e o desenvolvimento desse imaginário?
É uma pergunta meio difícil de responder. Tenho déficit de atenção e isso definitivamente contribui para eu ter minha imaginação sempre ocupada nesses mundos. Já o hiperfoco, característica de muitas pessoas com autismo, provavelmente é uma das razões pela qual eu me apaixonei tanto por algumas inspirações e em como eu coloco informações altamente detalhadas em meus trabalhos. Quando me interesso por alguma coisa, vou fundo.