Por G1 e O Povo

Guilherme Isaque de Souza Ferreira, de 18 anos, vai cursar ciências sociais. Em entrevista ao g1, mãe e filho contaram os desafios superados pelo jovem que mora no Centro de São Paulo.

“Passei, passei, mamãe. Eu quero correr, eu quero correr”. Foi assim que o estudante Guilherme Isaque de Souza Ferreira, de 18 anos, anunciou em casa a aprovação no curso de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

O jovem, que tem paralisia cerebral, foi aprovado em segundo lugar por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Ao ver o nome na lista, a alegria tomou conta do estudante que mora na região do Brás, no Centro de São Paulo. A mãe registrou o momento em vídeo, que já teve mais de 400 mil curtidas nas redes sociais.

Em entrevista ao g1, Guilherme disse que escolheu o curso por ser envolvido na questão das lutas sociais e, principalmente, pelos direitos das pessoas com deficiência.

“A minha intenção é ajudar os PCDs [pessoas com deficiência] na questão de políticas públicas porque eu vejo muitos problemas na cidade, tanto na infraestrutura quanto no mal preparo em vários setores”, disse.

O jovem, que prestou alguns vestibulares como treineiro no ano passado, acredita que conseguiu a vaga na UFSCar porque gosta muito de aprender.

“Eu nunca fui um aluno nota 10, mas também nunca fui um nota 5. Sempre foi 7, 8, sabe. Gosto muito de estudar, ler e escrever”, contou. História, geografia e filosofia são suas disciplinas favoritas.

Guilherme faz questão de mencionar os nomes das professoras Amanda Santana e Ellen Rodrigues, que marcaram a trajetória dele nos estudos. “Elas me fizeram acreditar no meu sonho e também a ver a vida de outra forma, mais corajosa e destemida. Nunca esquecerei o que elas fizeram por mim”, disse.

Susto, alegria e orgulho

O resultado do Sisu, que sairia no dia 26 de janeiro, foi adiado e divulgado um dia depois, o que aumentou ainda mais a ansiedade de Guilherme e outros candidatos.

Ele disse que mal conseguiu dormir, não desgrudava do celular. Demorou a acreditar quando viu seu nome no resultado dos aprovados. “Primeiro eu me assustei. Achava que era fake news. Quase enfartei!”, contou.

Naquele momento, a dona de casa Zilmar Lima de Souza Ferreira, de 46 anos, estava fazendo a limpeza quando ouviu o filho gritando no quarto. A princípio, ela pensou que ele precisava de ajuda, mas logo percebeu que os gritos eram de felicidade.

“Ele saiu correndo e, como tem dificuldade para descer a escada, tive que correr atrás para ele não cair. Na hora pensei: deixa eu registrar esse momento, meu Deus, que alegria desse menino, e filmei um pedacinho”, disse.

O pai de 53 anos também estava em casa. A notícia da aprovação e a alegria do filho o deixaram “anestesiado”, contou a esposa. “Ficou sentado no sofá, nem conseguiu levantar, ficou sem forças nas pernas”.

Para a mãe, foi uma surpresa e ao mesmo tempo um susto porque ela não sabia que o filho tinha feito inscrição no vestibular da UFSCar.

“Ele falou assim: eu quero morar sozinho, mamãe, longe de casa. Quero fazer faculdade em outro lugar. Foi uma escolha dele, não foi minha. Ele é um jovem que desafia os seus limites e nada paralisa ele. Então estamos aqui para dar todo o suporte para ele conquistar o sonho dele”, disse a mãe.

A família planejar viajar a São Carlos na próxima semana para conhecer a cidade. A mãe disse que não tem condições de mudar para o interior neste momento, por isso é preciso entender melhor como é a estrutura da UFSCar e se o filho terá algum suporte.

Incentivo ao estudo

Zilmar tem outro filho de 27 anos formado em biomedicina. Saber que o caçula também terá a oportunidade de frequentar a universidade a deixa ainda mais orgulhosa. “Eu só pedia: estuda, estuda, porque isso é um legado que eu posso deixar e que ninguém vai roubar”.

O marido, que atualmente trabalha como estoquista, conseguiu concluir o ensino médio, mas ela parou na sétima série. Decidida a também se dar uma oportunidade, já garantiu sua matrícula para retomar os estudos.

“É um sonho dos meus dois filhos de ver eu formada. Eles estão muito felizes porque eu vou voltar para a escola. É muito emocionante e muita alegria”, contou.

A paralisia cerebral de Guilherme aconteceu em decorrência da demora no parto e negligência do médico, diz Zilmar.

O bebê nasceu e entrou em coma. Tão logo saiu ficou entubado. Em meio a problemas de saúde e convulsões, a mãe disse que vivia mais no hospital do que em casa. “Foi um processo bem longo, a vida dele não foi fácil. Eu falei para ele: filho, você já nasceu lutando para viver”.

Ao longo do desenvolvimento, Guilherme passou por atendimento especializado na AACD, na unidade da Mooca, na Zona Leste, durante 12 anos.

“Os médicos falaram: mãe, vamos tentar reabilitar esse menino. Não sabemos se um dia vai andar, falar, mas vamos começar o processo. Pelo menos de engatinhar e sentar em uma cadeira de rodas. E foi isso, ele era cadeirante, aí fomos para o processo do andador, da muleta e hoje você viu no vídeo, o menino anda com dificuldade, mas anda”, disse a mãe.

Zilmar contou que o filho em meio a sua condição sempre perguntava se iria conseguir algo na vida. A mãe sempre repetia: “você nasceu para dar certo. Você consegue tudo que você quiser e desistir jamais. Enquanto você tiver fôlego de vida, lute e vai porque você consegue”.

 

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